Por Fernanda Lopes
Ah, o maravilhoso hábito de lavar a louça imediatamente depois de comer. Parece simples, mas quem teve o prazer de viver em uma república sabe: isso faz parte da sobrevivência. Quase quatro anos dividindo a cozinha com uma galera e, quando vi, eu já estava nesse ritmo acelerado de pegar o prato, almoçar e ir direto para a pia para lavar. Sem enrolação, — quase quatro anos lidando com gente que achava que o detergente era item decorativo — desenvolvi esse instinto: comeu, levantou, lavou. Sem conversa, sem desvio, sem drama.
Na república, era cada um por si na hora de cozinhar. Então, eu realmente internalizei em mim a filosofia do “sujou, lavou”. E acredite, isso me poupou muitos desentendimentos, discussões sobre quem deixou a pia suja e a constante ameaça de pratos se multiplicando como se fossem coelhos. Hoje em dia, sinceramente, eu não consigo entender como alguém consegue acumular tanta louça e não se incomodar. Parece até que tem gente que cozinha só para colecionar panelas sujas.
Sim, não entendo mesmo como as pessoas conseguem acumular pilhas de louça e simplesmente deixar para depois. Como assim, “depois”? Sabe o que acontece com “depois”? “Depois” vira um monstro de pratos, talheres, copos e panelas que se multiplicam durante a noite e, no fim das contas, viram uma verdadeira montanha de louça para encarar de uma vez só. Não sei como fazem isso com tanta calma, eu já me estresso só de olhar para um prato sujo em cima da mesa, me dando aquele olhar desafiador de “olha, eu sou seu futuro”. Pois é, eu já aprendi o caminho: termina de comer, pega a louça, lava, seca e põe no armário. Pronto, vida resolvida.
E, cá entre nós, é um tipo de libertação. É como se eu assinasse um acordo comigo mesma dizendo: “isso aqui não vai pesar depois.” É um favor que faço pra mim mesma no futuro. Uma gentileza, uma espécie de “de nada” adiantado. Enquanto tem gente que deixa pratos empilhados como se fossem construir uma escultura moderna, eu já estou com tudo limpo, pia brilhando, e liberdade total para deitar sem culpa, assistir algo, ler, desenhar ou escrever minhas crônicas.
Porque, veja bem, adiar esse tipo de coisa é um auto-boicote, não é só desorganização, é rebeldia passivo-agressiva. A louça vira um monstro invisível. Ela vai crescendo, ocupando espaço físico e mental. E aí, quando você percebe, está à meia-noite encarando um monte de pratos engordurados como se fosse pagar algum tipo de penitência. E, convenhamos, lavar a louça depois que a comida já secou, já colou, já virou parte do prato, é uma tortura autoimposta. E, ainda assim, tem quem prefira adiar. Vai entender. Talvez seja adrenalina. Talvez seja uma forma de viver perigosamente.
Não comigo.
Meu método pode parecer exagerado para alguns, mas é libertador. Não é TOC, é inteligência emocional aplicada ao cotidiano. Um futuro mais leve começa com um garfo limpo agora. É quase poético. Quase. “Ah, mas vai ter mais louça amanhã…” Bem, vai! Mas, pelo menos, o que você usou hoje, já foi. E você fica com a mente tranquila, sem o fardo da sujeira para resolver. Vai por mim: viver sem a pilha de louça empilhada na pia é um dos segredos da felicidade doméstica. Seu futuro eu te agradece.
Então, da próxima vez que você for empurrar aquele pratinho para “mais tarde”, lembra: o tempo que você acha que está economizando é o mesmo que vai te cobrar juros no fim do dia. E a pia, meu caro, não perdoa ninguém. Ela vai te olhar lá, implacável, e te cobrar o preço da procrastinação, como uma dívida que você tentou ignorar.
Agora, se me der licença, vou ali comer uma fruta — e lavar a faca logo depois.
Fernanda Lopes, Jornal Choraminhices.