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Estranhas ilegitimidades

Por Davambe.

Dona Farina nasceu em uma época que tudo ficava distante, mas que as pessoas pareciam cooperantes. A faculdade ficava há sete quilômetros. A novela era assistida num aparelho televisivo do centro desportivo da comunidade, que ficava há sete árvores de sua casa. A galera se juntava e tocava a caminhar. Livros, só na biblioteca pública há sete quarteirões. Carro? Havia machimbombo; único transporte.

 Dona Farina foi criada em outras épocas, em que as orientações familiares, que eram da comunidade, eram quase uma legislação paralela à governamental. Às vezes a dicotomia: medo e respeito se confundiam. Era ditadura militar em casa? Claro que não, era um aspecto cultural em movimento, a migrar de geração em geração. Dizia ser bom, a polícia era a última a ser acionada em razão de eventuais desrespeitos. A autoridade maior eram os anciões, os próprios jovens a respeitavam e tinham medo ao mesmo tempo. Ninguém, no fundo, queria ouvir repreenda, nem palmada. Sim! A palmada existia, sem permissão de ninguém, mas também nunca ninguém questionava a sua eficiência. Época em que não havia cartão eletrônico de crédito, mas que os homens honravam os seus compromissos, mesmo os de fio de barba. Não conheceram carestia nem guerra, sempre que ouviam falar de guerra ficavam muito tristes, cabisbaixos.

“Naquela terra, de tão distante, as pessoas não tinham valor nenhum. A guerra detonava qualquer esperança de bom proceder, e as pessoas eram mortas como passarinho.” Dizia Dito Xinhocana, gajo viajado que conhecia terras distantes; ele era caixeiro viajante.

“Para, por favor.” Mal ele começava a discursar, ela pedia que parasse. Causava-lhe enjoo só de pensar na maldade do ser humano, estranho isso, os necessitados padecem na artilharia ocidental, é? Irmão contra irmão. Seu país era diferente, curtia-se paz e amor, um verdadeiro paraíso. Teve sete filhos criados com muito esforço, debaixo da honestidade, com dinheiro do seu suor, orgulhava-se em falar, o Estado também estava presente, fornecendo todos os serviços básicos aos seus cidadãos, o dinheiro de imposto era aplicado no bem estar comum. Era com prazer que se pagava imposto. Sabia-se que tinha destino certo. Todos casados, menos o caçula que também arranhava o bom proceder da dona Farina.

Mas eis que o filho caçula alcança os 16 anos, justamente com a descoberta de interesse por sexo oposto. Namoradeiro dos bons, como se dizia. Seu pai ainda falava orgulhosamente: “que bom que o garoto envergou por esse caminho”, sorria escondido, se urinava de tanto rir, para ele o homem tinha que ser dessa maneira. Mas foi então que a honestidade de Dona Farina começou a correr risco. Cada dia, cada ação do caçula, riscava a sua dignidade.

Havia fila para falar com ele, colegas, vizinhas. Uma amiga vizinha perguntava por ele: “não está!” dizia a mãe. Para onde foi? Dona Farina não era de mentir, nem de brincadeira, mas era obrigada a faltar com a verdade. Então fechava os olhos, com uma voz sumida dizia inverdades, em seguida fazia o sinal da cruz e murmurava uma oração. “Ele saiu!”. O menino não havia saído coisa nenhuma, estava com outra namorada.

Dona farina não saía mais de casa. Andava de cabeça baixa a resmungar. Até que num belo dia, preocupada com sua dignidade já desgastada e muito arranhada, a parecer desgostada da vida, mandou comprar uma corda, fez nó. Andou pelo quintal para arranjar um suporte forte, amarrou a corda na viga. Testou. Estava firme. A corda ficou uma semana pendurada, enquanto a galera ansiosa espiava-a. Sua tristeza não era segredo, um mês depois comprou um cachorro, com quem passou a compartilhar o seu tempo.

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