Por Jahmaycon
Dia desses resolvi procurar no Google por uma paisagem que está em minha lembrança desde a infância: a Serra de São Joaquim. Era assim que chamávamos aquela serra imponente, colossal que tomava toda a visão que tínhamos da janela de nossa casa em São Mateus, vilarejo de Vitória da Conquista, onde eu nasci e vivi até os 10 anos de idade. Lugar simples, bucólico, mas onde eu construí muitas recordações da minha infância. Algumas delas estão relacionadas com essa serra.
Uma das coisas mais aguardadas por adultos e crianças naquele lugar era a chuva. Dela dependia o verde das plantas, a colheita do feijão, do milho, da melancia e de outras coisas que se plantavam ali. Da chuva dependia o de beber dos animais para darem leite ou carne para nos alimentar. Dela também dependia uma fatia considerável da diversão das crianças e adultos.
A chuva era escassa, tanto que vivíamos a margem de rios sem água, rios de areia e pedra. Chuva que muitas vezes formava-se no horizonte, coloria a serra de branco, mas não chegava e ficava a frustração. A imagem branca da serra não sai de minha memória, era uma das visões mais lindas do lugar, não apenas pela beleza em si, mas pelo que representava, pois quando aquela chuva chegava até nós, era uma festa.
Antes mesmo das primeiras gotas caírem sobre nossas cabeças, já tínhamos todo o plano de brincar na água, construir mini açudes, molhar o pé e porque não o corpo todo. Mergulhar naquelas águas era uma experiência única, aguardada o ano todo. Além da aventura de deixar o corpo ser levado rio abaixo, fazia parte da emoção escapar de nossa mãe que nunca deixava a gente ir, porém a gente sempre ía do mesmo jeito.
Quem mora no interior, por mais que tente, não consegue prender os filhos, viver livre era nossa conquista, que hoje na cidade as crianças não tem. Isso faz tanta falta para essas crianças. O que se perde por não poderem se aventurar é imensurável. Antes, um joelho ralado doía bem menos que um coração partido, mas os pais preferem partir o coração dos filhos ao verem os pequenos correndo e se divertindo com os amigos.
Não achei a Serra de São Joaquim no Google. Também não achei em nenhum mapa esse nome ou qualquer serra com outro nome. Não achei nada que me ajudasse a identificar essa parte chamativa da geografia daquele lugar. A serra obviamente existe, mas sabe-se lá qual seja seu nome oficial. Isso não importa, não precisa ter o nome no Google ou em qualquer livro; não precisa nem ter nome. O importante é que sua imagem está registrada no mais importante lugar: a minha memória de infância.
Bom texto meus Parabéns Jayhmaicon, muito chamou atenção sua pesquisa para tal artigo, mais saliento aqui sua Sublime Criatividade, parecida com a Macondo de Garcia Márquez em sua Opus Magnus “Cem Anos de Solidão” como base de apoio.
Nesse momento segues Horácio Quiroga em “Decálogo do Bom Contista” que autor mesmo escreveu numa certa posição narrativa, em “Dicionário da Teoria Narrativa” de Carlos lopes define de outra forma, mas tudo acaba em um belo encaixe seria salutar se autor lesse.
Que possamos nunca perder a mania de enxergar a beleza nos pequenos grandes acontecimentos da vida cotidiana e guardar toda recordação que aquece o coração e justifica o existir!
Belo e emocionante texto. Parabéns!
Seu texto é de uma beleza comovente, carregado de memória afetiva e de um lirismo que nos transporta para a infância no interior, como em Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos. A maneira como você resgata o valor da liberdade, das brincadeiras simples e da espera quase mágica pela chuva lembra também os personagens de Guimarães Rosa, que viam no sertão mais do que paisagem: viam sentido, poesia e vida.
A serra que não aparece no Google, mas que vive tão viva na sua lembrança, dialoga com a célebre frase de O Pequeno Príncipe: “O essencial é invisível aos olhos”. É justamente essa serra invisível aos mapas, mas tatuada na alma, que torna seu texto tão forte. Ele nos faz refletir sobre o que estamos perdendo quando trocamos o real, vivido e sentido, pelo registrado, nomeado e “encontrável” na internet.
Obrigada por compartilhar esse pedaço tão íntimo da sua história — um pedaço que também ecoa nas histórias de tantos outros, criando uma rede de afetos e memórias que nem o tempo e nem a tecnologia conseguem apagar.
Muito obrigado por seu comentário, Jéssica. Seu texto me emociona tanto quanto o meu lhe causou a mesma sensação. É muito gratificante para quem escrever receber um feedback. Obrigado!